sábado, janeiro 19, 2008

37.

::Sambada::

Era uma noite de sambada. O terreiro estava em festa. A noite caminhava e o primeiro ônibus, lotado, trazia os participantes. O casal se aproximou. Ele, cambaleante. Ela, com uma blusa vermelha, boné na cabeça. Denunciava alguns anos a menos que seu companheiro.

Isso é maneira de chegar para brincar, Oswaldo? A moça emenda: Eu disse pra ele que vinha, mas não ia ficar de travesseiro dele, que ele dissesse logo se podia. Oswaldo engata conversa com a conhecida que o repreendera, a filha da professora. Lembram das canetadas e beliscões. Professorinha braba.

Mas Maria, a companheira, prefere falar sobre sua vida. Eu tenho dois filhos e mãe doente. Meu filho tem 14 anos, a menina tem treze. Não posso cuidar do Oswaldo o tempo todo. Muita gente quer ajudar, mas ele não larga a pitú.

Oswaldo levanta a camisa. Mostra as marcas das três facadas que levou. Diz que vai ter revanche. Maria quer esquecer, manda ele baixar a camisa, pra que mostrar? Ela diz que o ajuda, que arruma o quartinho onde ele mora.

Chamaram ele pra ser bandeirista. Uns três grupos já. Mas ele não pode. Oswaldo mostra a cicatriz na barriga, operação de qualquer coisa grave.

Maria fala do fotógrafo que retratou seu trabalho: enquanto ela debulhava feijões e abacaxis, sentindo-se feia para fotos, o homem baixinho e gordinho apontava a câmera na direção de sua barraca, de sua mesa, de suas mãos.

Ela reclama: não gosta de estar só na festa, não conhece ninguém ali. Também ela brinca, mas é novata, além de ser de outro grupo. Oswaldo pede um cigarro.

Quando o terceiro ônibus chega, Maria o convence a voltar pra casa. Eles vão. A mesma Maria cuidando das cicatrizes do Oswaldo.

Ele diz que me ama, e se cuidar, me terá pra sempre. Mas tem que cuidar, né?

E os dois sobem no ônibus vazio.

3 comentários:

  1. Anônimo5:26 PM

    sentir a liberdade é perfeito, mas ainda se vc pode compartilhá-la, ainda mais se ela é sua sutil vida.

    Doralice

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  2. Não culpo o Oswaldo: a Pitú deixa cicatrizes fundas. Sua escrita continua ótima. bjão, Marina

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  3. Leve e profunda. Paradoxos somente percebíveis em quem escreve bem...
    muito bem...

    abraços

    a.h.

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